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Café tropeiro

Relato Tropeiro de: José dos Santos Padre (Bem Padre)

Relato Tropeiro de: José dos Santos Padre (Bem Padre)

Escuita! Esse é o canto do mato a noite. É aqui que agente apeia, em vorta da fogueira pa mode se aquenta e proseá. Agente dorme no mato quase sempre a beira de um rio, é mais fácil cuidar da tropa assim.

Oceis discurpa meu jeito matuto, esqueci de me apresenta: Meu nome... Bom eu tenho dois nomes, um que corre o trecho da lida e um que ta nos documento, o de batismo que é: José dos Santos Padre. Já o da lida é Bem Padre.

Eu nasci em 1895 em São Miguel Arcanjo quando ainda era quase uma vila na rota das tropa. Minha mãe Maria Cândida Lopes do Santos era a parteira da região aprendeu oficio com minha avó que era índia. Meu pai Manoel Livramento dos Santos Padre recebeu esse nome do meu avô que queria que ele fosse padre.

Eu fui criado mais com meu avô e minha mãe, fui conhecer mais meu pai dispois de moço correndo trecho, na lida. Foi com ele que aprendi a ser madrinheiro.

Eu puxo a mula madrinha da tropa com o polaque amarrado no pescoço que vai batendo pa mode a tropa ouvi e segui. Também puxo uma outra mula com as traia da boia, vai tudo nas bruaca. Agente leva um cardeirão de ferro grande, um bule de ferro, duas panelas menor pra fazer os toicin, cestos de palha, e um punhado de coisa pra mode faze a boia pa peaozada. Nóis leva feijão, carne de sol, toicin, fubá, farinha de madioca, café, cachaça e banha. Gente Faz a paçoca, cozinha o feijão gordo com lingüiça quando breganha no trecho. Argumas coisa noís troca pelo caminho pra mode varia a boia. A vida é dura na lida, não é fácil, agente fica tempo fora de casa vive mais no mato, tem que dormi aqui e come o que a terra dá. Mais eu não reclamo gosto de vive assim, as vezes a saudade aperta, mais ai o canto do mato me alegra e em vorta da foguera agente reza.

A tropa pra quem eu trabalho é de Chico Trindade, o Chico é negociante, ele que é o arrieiro. Agente levanta de manhã, mais as vezes espera o sol apontar pra mode esperar o sereno no lombo das mula seca pra num encrua com a poeira da estrada. De manhã eu faço café; ah o café! O café tropeiro! Esse é especiar, num pode farta de jeito nenhum, eu mesmo se encarrego de prepara. Uma semana antes da tropa se junta e sai de viajem, eu passo na roça do Pedro Bento, iscoio os grão mai graúdo e encho a saca daquele café cru, o cumpade Pedro só seca e descasca. Eu levo pa casa, e um dia antes do combinado da viajem eu tomo uma pinguinha aproveito a brasa do fogão a lenha e coloco o danado no torrado, e com carma e paciência vo torrando até o safado do pretinho infesta a vila com aquele chero de café torrado na lenha. Quando termino de torra já é quase hora de sai e os cumpade da tropa vem pelo chero. Minha cumade já deixa o pão pronto, só pa assa, antes do dia raia os cumpade da tropa vem pelo rastro do chero, cada um trás argua coisa, daí eu passo o café no cuado de pano, e a gente toma de canecada. Aiai, sardade de casa!

Aqui na lida sou eu que faço café também, acordo ainda ta escuro, aproveito as cinza da fogueira que estralou a noite toda, é só joga uma lenha seca na cinza que o fogo vorta. Eu ponho a água no bule com um pedaço de raparuda e deixo a água ferver dispois ponho o pó La da roça do Pedro Bento, que eu memo torrei e mui aquele café é cheiroso por demais. Daí tiro um tição, as vezes uma pedra que fica de vorta da fogueira e jogo no bule pa mode faze o pó descer; o cheiro do café se mistura com o cheiro do mato molhado, a peaozada acorda tudo. E assim o dia vai amanhecendo devagarinho e o canto da mata vai entoando mais alegre.

Dispois de tomar um café e as vezes comer um fubá com carne pra aguenta a lida agente arreira a tropa, carrega as mula e pega o rumo. E assim os dia vai passando, daqui a pouco vai anoitecer de novo, e, o canto silencioso da mata vai enche o peito de sardade, fazendo a arma suspira pelo amanhecer pedidndo por mais uma xícara de café...


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